Memória Trançada: O que a Terra Dá, o que a Terra Quer
- Ana Carmen Nogueira

- 24 de out.
- 2 min de leitura

Participar da Mostra Coletiva CONFLUÊNCIAS, na Funarte, é como pousar os ouvidos sobre o chão e escutar o pulsar da vida. É deixar que a terra fale — através dos corpos, das histórias, das raízes que me atravessam. Minha obra nasce desse gesto de escuta: uma escuta que não se apressa, que se curva, que se deixa tocar pelos ciclos que sustentam o viver.
Memória Trançada é corpo-território. É caminho pisado e pegada deixada. É o entrelaçar dos tempos vividos com o tempo da terra, onde cada fibra carrega um gesto, cada gesto carrega um saber, e cada saber reverbera ancestralidade.
Inspirada pelo pensamento de Antônio Bispo dos Santos e pelo livro A Terra Dá, a Terra Quer, a obra propõe uma reciprocidade com o mundo natural — não como troca, mas como dança. Uma dança onde o tempo não é linear, mas circular, onde o cuidado é resistência e a fragilidade é potência.
Trançar é ancestral. Trançar é gesto de quem escuta com as mãos. Utilizo folhas de carnaúba — árvore generosa do nordeste brasileiro — que oferece sem exigir, que dá sem cobrar. Com suas folhas, tramas. Com seu tronco, abrigo. Com sua seiva, alquimia. Misturo cera de abelha, cera de carnaúba e resina breu: encáustica que une matéria e memória, técnica e afeto.
Cada elemento da obra é terra que fala: encáustica básica, terra, canela, cominho, palha, serragem dourada de garapeira, planta seca de arnica do Acre, palo santo do Equador, folha de ouro. São oferendas e pedidos. São o que a terra dá e o que ela quer de volta.
Esta obra é também introspecção. É tempo de colher os frutos de uma vida bem vivida, de olhar para trás com ternura e para frente com coragem. É momento de enraizar e confluir, como nos ensina Bispo dos Santos.
A técnica artesanal, os saberes tradicionais, a espiritualidade cotidiana — tudo se entrelaça. A obra responde poeticamente às tensões entre cultura e extração, entre território e cuidado, entre arte e subsistência.
Nada do que faço é só meu. Cada gesto é coletivo. Cada palavra tem eco. A terra do sítio Copaíba, o calor da marcenaria da Faculdade Santa Marcelina, as mãos generosas de Juscelito Rocha, Thiago Grisanti, Matheus Paes, e a escuta atenta de Mariane Abarkeli — tudo isso vive na obra.
Memória Trançada pede o olhar, exala perfume, convida ao toque. É presença. É oferenda. É raiz que se estende.
FUNARTE
De 01/11 a 30/11 - quarta à domingo, das 15h às 19h
Al. Nothman, 1.058 – São Paulo/SP
Entrada gratuita!















Rica e interessante proposta. Parabéns!