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Encáustica como uma maneira de apreender o mundo

Todas as semanas eu e minha conteudista de redes sociais, Bruna Zara, discutimos qual será o texto da próxima semana, que assuntos devemos explorar. Escolhemos com cuidado as imagens que iremos veicular.


É um trabalho muito interessante, sempre me ajuda a pensar sobre o meu processo criativo, como trabalho dentro do ateliê e como ele reverbera para outras pessoas. Tenho aprendido muito como isso.


Essa semana foi mais difícil iniciar a elaboração do texto.

A desgraça ambiental e humana que aconteceu em Brumadinho me atingiu de uma tal forma que estou me sentido em um turbilhão de indignação, horror, desespero e revolta.


Tenho um carinho especial por Minas Gerais. Para mim ela é a origem de meus antepassados. A história de nosso país carrega tanto de Minas! O jeito mineiro de acolher, de olhar, de falar é uma das coisas mais cativantes. No sul de Minas, em Carmo da Cachoeira tem a família do meu marido. As melhores lembranças de uma boa prosa estão com eles. Na enorme mesa da sala de jantar da tia Eunice, esses mineiros queridos são capazes de começar a tomar o café da manhã e só levantar altas horas da noite e durante todo esse tempo contam casos, riem das suas próprias histórias e fazem com que nós, forasteiros nos sintamos queridos e muito, muito bem-vindos.

Figura 1 – Em volta mesa na casa de tia Eunice Brettas

Em Carmo da Cachoeira, quando fomos ao casamento de Luana em 2011, passeamos no bairro da estação que fica um pouco distante do centro da cidade, do outro lado da rodovia Fernão Dias. O lugar é lindo, lá passa a estrada de ferro Oeste de Minas que começou a funcionar em 1918. A estação de Carmo da Cachoeira está desativada e abandonada, mas o prédio mantém sua beleza. As imagens que capturei dela estão à espera de um dia virarem uma pintura encáustica.

Figura 2 – Estação de Carmo da Cachoeira

No bairro da estação moravam os bisavós de meu marido, Alzira e Severino Villela. As lembranças que Dado Brettas e seus irmãos têm do lugar, são gostosas e ternas e foi o que nos levou até lá.

A casa da Alzira e do Severino, me cativou, o bairro parece ter parado no tempo. Com a imagem da casa fiz uma série de encáustica com transferência de imagem, sobreposições, intervenções com aquarela, intervenções de encáustica pigmentada sobre a imagem.

Figura 4 – Série “Casa da estação”

Em 2015, quando aconteceu o desastre de Mariana foi o meu coração que parou. A imagem da lama destruindo casas, lavouras, matando 19 pessoas e exterminando com tudo que havia em seu caminho, inclusive o rio Doce chegando até o mar no Espirito Santo me devastou. Para apreender tudo o que estava vendo transformei minha dor em uma pequena pintura encáustica “Mariana” a partir de uma foto que vi no jornal Estado de São Paulo.

Apreender é compreender aquilo que às vezes é muito difícil de entender o significado do que estamos vendo ou vivendo. Para melhorar elaborar meu sofrimento pelo que deixamos acontecer com Mariana, com a sua população simples, com o meio ambiente, com a morte do Rio Doce, precisei pintar.


Durante esses três anos, acompanhei o descaso da mineradora com as pessoas que foram atingidas e com o próprio meio-ambiente. No entanto, por querer acreditar, acreditei que nunca mais ocorreria um desastre naquelas proporções.

Hoje, cá estou eu, congelada, torturada, enojada, completamente arrasada assistindo ao sofrimento da população de Brumadinho, de Minas Gerais.


Sofrimento de um povo querido, que sempre me recebeu com tanto carinho nas visitas ao Instituto Inhotim.


Estou aqui tentando apreender, porque mais uma vez está provado que não aprendemos com nossos erros.


Ana Carmen Nogueira, Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Mackenzie. Graduação em Artes Plásticas. Especialista em Educação Especial com aprofundamento na área de deficiência visual e Arteterapia.


Desenvolve pesquisa de pintura encáustica, ministra cursos desta técnica e atua como Arteterapeuta no Ana Carmen Ateliê de Arte.


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