Encáustica origina-se da palavra grega enkaustikos: esquentar, queimar, gravar com fogo.Tem como matéria prima básica a cera natural de abelha e resina Damar (seiva de árvore cristalizada), acrescida de pigmentos. Tal mistura garante ótima cobertura, densa e cremosa. Uma vez produzida, é possível utilizá-la sozinha, por sua qualidade de transparência, bem como na versão pigmentada. Fazendo jus ao nome, o calor é essencial ao longo de todo o processo. Assim, mantida em estado líquido, a fórmula é aplicada com pincel em suporte resistente ao calor.
Essa técnica e suas etapas, do preparo aos toques finais, oferece grande abertura para a experimentação, potencializando a sensação de liberdade e prazer enquanto está sendo trabalhada.
História da encáustica
A história da encáustica se manteve preservada em fragmentos de épocas distantes, provenientes de arquivos que conseguiram resistir à ação do tempo.
A trajetória da pintura encáustica se inicia na Grécia Antiga, onde construtores de navios usaram cera de abelha para calafetar juntas e impermeabilizar cascos de suas embarcações.Em momento posterior, a pigmentação da cera deu origem à decoração de navios de guerra.
As técnicas de pintura encáustica são descritas já no século I d.C.por autores romanos, incluindo Plínio, o Velho, que menciona artistas que as utilizavam várias centenas de anos antes.Seu uso em painéis competiu com o da têmpera, considerada a primeira pintura de cavalete conhecida. Enquanto esta apresentava processo rápido e barato, a encáustica era técnica lenta e difícil, mas cuja pintura poderia ser desenvolvida em relevo, e a cera oferecia efeito óptico rico ao pigmento. Tais características faziam com que o trabalho final fosse surpreendente. Além disso, por resistir à umidade, a durabilidade da encáustica era superior à da têmpera.
No entanto, após o fim do Império Romano a técnica entrou em declínio.No período bizantino a encáustica foi usada de forma limitada, contudo, à medida que a pintura de têmpera crescia em popularidade, a encáustica quase desaparecia.Durante a Idade Média a cera ainda era usada para alguns fins artísticos. No período do Renascimento a encáustica teve pouca expressão.Consequentemente, a pintura encáustica não desfrutou de nenhum interesse até meados do século XVIII, quando se iniciou seu resgate graças a novos artistas e menções em algumas publicações de arte.Essa espécie de redescobrimento prosseguiu até o século XIX, facilitada pela invenção do bico de Bunsen. O Bico de Bunsen é um aparelho utilizado na esterilização de pequenos objetos e no aquecimento de substâncias químicas.Vale dizer que vários pintores notórios do período, como Paul Gauguin e possivelmente Georges Seurat, experimentaram a pintura com cera.
Os retratos de Fayum
No Egito Greco-Romano no primeiro século antes de Cristo até o século II d.C., a encáustica foi amplamente usada nos retratos das múmias – pintadas de forma naturalística sobre painéis de madeira, posteriormente anexados à caixa dentro do sarcófago onde a pessoa era sepultada. Essas máscaras são conhecidas como os Retratos de Fayum – nome do oásis egípcio onde foram encontrados diversos registros – consideradas as obras de arte mais luminosas e em melhor estado de preservação desta técnica que sobreviveram ao tempo.Essas quase fotografias, captando rosto e ombros, feitas de pintura com cera, eram colocadas em invólucros projetados para transportar o corpo a uma vida espiritual após a morte.Essas figuras realistas e de tamanho natural – pintadas, acredita-se, durante a vida da pessoa – marcaram o início da jornada da imagem ritualizada, criada durante milhares de anos de domínio faraônico.Elas foram o ponto culminante de um esforço multicultural refletindo a vida do Delta do Nilo.
Uma grande população grega se estabeleceu no Egito após a conquista de Alexandre em 330 a.C.Com o tempo e o intercâmbio, este grupo de pessoas vindas da Grécia, adotou alguns costumes do país, como o embalsamamento e o envolvimento dos mortos com tecido, além de manter e desenvolver alguns talentos únicos, como a pintura encáustica.Em 30 a.C., quando o Império Romano reivindicou o Egito, após a morte de Cleópatra, introduziu seus próprios ornamentos culturais.Assim, os retratos funerários evoluíram para que fossem pintados em cera em estilo grego: uma visão inteira, ou três quartos, iluminada por fonte de luz que lhes lançava sombras realistas. Isso ofereceu certa visão de moda e penteados da corte romana, colocados em múmias envoltas à maneira egípcia, e postas em repouso em templos mortuários em Hawara, Antinoópolis, Er-Rubayat e em outros lugares do oásis de Fayum.
O grande Fayum, fonte de vida no deserto egípcio, emprestou seu nome aos retratos pintados com encáustica encontrados em todo o país.Podemos assumir que nem todas as obras foram destinadas ao túmulo, mas são esses retratos – mais de 600 – que sobreviveram ao passar do tempo.A cera foi aplicada em finas camadas, do escuro para o claro, em camadas translúcidas para criar tons de pele, mas também colocada de forma espessa para imprimir luxo às reproduções de tecidos e joias que significavam status e posição social durante a vida.
O material utilizado pelos pintores de Fayum nos seria hoje familiar: cera de abelha, pigmento, resina, pincéis, o cestrum, uma ferramenta de escavação como estecas para argila e a cauterium, essencialmente uma espátula que era aquecida para fusão, e o rhabdium, um braseiro de carvão, para o derretimento da cera.
Tradução livre do livro “The Art of Encaustic Painting: contemporary expression in the ancient médium of pigmented wax” de Joanne Mattera, 2001.
Ana Carmen Nogueira, Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Mackenzie. Graduação em Artes Plásticas. Especialista em Educação Especial com aprofundamento na área de deficiência visual e Arteterapia. Desenvolve pesquisa de pintura encáustica, ministra cursos desta técnica e atua como Arteterapeuta no Ana Carmen Ateliê de Arte.
André Vasconcellos, Advogado, Bacharel em Direito pela PUC-SP, graduando em Letras pela USP, participante do curso livre de preparação do escritor – CLIPE Casa das Rosas 2017, roteirista e leitor.
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