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Desvelar na pintura encáustica

Desvelar é descobrir aquilo que estava oculto, é dar condições de aparecer. Segundo o dicionário desvelar é: ‘Colocar em exposição, removendo o véu que revestia: desvelar uma obra de arte; durante a peça de teatro, os atores desvelavam-se’.


Para Platão a verdade significava o desvelamento do Ser, a retirada do véu. Com Heidegger o desvelamento é onde o Ser das coisas se manifesta.


Gosto de pensar que quando estou fazendo uma pintura encáustica algo se mostra, se manifesta. O que estava oculto aparece. A essência das coisas se desvela.


Cada um de nós tem sua maneira de compreender e viver no mundo. Muitas vezes enxergamos coisas de maneira completamente diferente do outro. Quando apresentamos nossa maneira de ver algo se revela. E eu aprendo com o outro, o outro aprende comigo e as coisas se desvelam. Essa é a verdade da arte.


Faço coleção de mulheres fazendo algo. Adoro ver a concentração, o cuidado, a dor, o encontro, a descoberta, o sofrimento que cada uma mostra. Para essas mulheres sempre rezo um texto de Simone Beauvoir:

‘A impressão que eu tenho é de não ter envelhecido, embora eu esteja instalada na velhice. O tempo é irrealizável. Provisoriamente, o tempo parou para mim. Provisoriamente. Mas eu não ignoro as ameaças que o futuro encerra, como também não ignoro que é o meu passado que define a minha abertura para o futuro. O meu passado é a referência que me projeta e que eu devo ultrapassar. Portanto, ao meu passado eu devo o meu saber e a minha ignorância, as minhas necessidades, as minhas relações, a minha cultura e o meu corpo. Que espaço o meu passado deixa para a minha liberdade hoje? Não sou escrava dele. O que eu sempre quis foi comunicar da maneira mais direta o sabor da minha vida. Unicamente, o sabor da minha vida. Acho que eu consegui fazê-lo. Vivi num mundo de homens guardando em mim o melhor da minha feminilidade. Não desejei nem desejo nada mais do que viver sem tempos mortos. ‘

A essas mulheres, que representam tantas outras que conheço, desejo que vivam sem tempos mortos. Cada uma delas se revelou de uma forma diferente. Lú Mihara (1) em toda beleza de seu descanso na sua casa.

Figura 1 – LÚ MIHARA

Claudia Silva Ferreira (2), horrivelmente arrastada por uma viatura policial, me fez sentir toda sua dor e todo o descaso do mundo.

Figura 2 – CLAUDIA SILVA FERREIRA

Me aninhei no abraço perfeito, querido e amoroso de Mirian Celeste Martins e Ana Paula Abrahamian (3).

Figura 3 – MIRIAN CELESTE MARTINS E ANA PAULA ABRAHAMIAN

Ana Teixeira (4) em nossa viagem para São Francisco Xavier sentada na beira da queda d’agua num dia quente de um carnaval passado.

Figura 4 – ANA TEIXEIRA

Léa Paulon (5) na máquina de costura mostrando toda sua sabedoria.

Figura 5 – LÉA PAULON

A bela Marielle Franco (6) no seu sorriso e força nos lembra da luta que temos pela frente.

Figura 6 – MARIELLE FRANCO

Ana Maria Souza Santos (7) concentrada no seu trabalho diário revela uma poesia.

Figura 7 – ANA MARIA SOUZA SANTOS

Ana Maria Souza Santos trabalha comigo há 4 anos. Um dia tirei uma foto dela passando roupa e ela nem notou. Quando terminei o quadro a chamei até o ateliê e mostrei. Ela olhou e disse que estava bonito e voltou a trabalhar. Senti nessa hora que ela não tinha levantado o véu. Mais tarde ela volta com os olhos cheios de lágrimas e disse que tinha demorado para entender o que eu havia mostrado.

“Sou eu? Nunca ninguém fez isso para mim.”

Algo foi desvelado.


Ana Carmen Nogueira, Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Mackenzie. Graduação em Artes Plásticas. Especialista em Educação Especial com aprofundamento na área de deficiência visual e Arteterapia. Desenvolve pesquisa de pintura encáustica, ministra cursos desta técnica e atua como Arteterapeuta no Ana Carmen Ateliê de Arte.


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