Queimaram a estátua do Borba Gato. Queimara uma ideia e é melhor agora colocar uma outra no lugar. Queimaram a parte de meus antepassados que realmente perseguiram, torturaram, escravizaram os povos que aqui viviam e não satisfeitos com isso, também escravizaram os que obrigaram a vir da África.
Queimaram o Borba Gato e ficaria interessante transformar essa horrenda estátua em uma homenagem à outros antepassados, verdadeiros herdeiros dessa terra, Guarani Mbya, Tupi Guarani (Ñandeva), Kaingang, Terena, Krenak, Fulni-ô e Atikum e tantos outros. Queimaram o europeu e como a música de Caetano Veloso, agora “Um índio descerá de uma estrela colorida, brilhante. De uma estrela que virá numa velocidade estonteante. E pousará no coração do hemisfério sul… E aquilo que nesse momento se revelará aos povos. Surpreenderá a todos não por ser exótico. Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto. Quando terá sido o óbvio”.
Fico aqui pensando, imaginando fazer com o Borba Gato o que fez Urs Fischer em 2015 com sua escultura de cera Standing Julian que tive a oportunidade de ver no Whitney Museum em Nova York em 2016. Standing Julian era uma grande escultura feita inteiramente de cera do amigo e colega artista de Urs Fischer, Julian Schnabel. A escultura maciça também era uma vela de cera. Todas as manhãs era acesa e apagada todas as noites. Standing Julian foi derretendo lentamente ao longo da exposição Human Interest: Portraits da Coleção do Whitney, até se acabar.
Derretamos Borba Gato e que venham apaixonadamente Peri com o axé do afoxé filhos de Gandhi. Nesse caminho vamos abrindo por meio da arte formas de entender e olhar nosso passado, e com ele aprender, para construir um futuro mais justo. Façamos um processo Arteterapêutico na nossa sociedade visando o diálogo entre os nossos sentimentos e o que percebemos de nós mesmos e de nossa sociedade. No processo de produção artística, nossa atenção se encontra nos materiais, na forma, cor, linhas, volume, sombra e luz. Esses são recursos que ajudam as pessoas a distinguirem os sentimentos e as percepções no mundo interno e externo.
Vamos derreter Borba Gato e transformar nossos valores algo universal na busca de uma cidade, um estado, um país que seja cuidadoso com os seus cidadãos.
Ana Carmen Nogueira, Mestre e Doutoranda em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Mackenzie. Graduação em Artes Plásticas. Especialista em Educação Especial com aprofundamento na área de deficiência visual e Arteterapia. Desenvolve pesquisa de pintura encáustica, ministra cursos desta técnica e atua como Arteterapeuta no Ana Carmen Ateliê de Arte.
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